Quarta-feira de Cinzas

O rito da bênção e imposição das cinzas lembra a nossa pequenez e a necessidade que temos de Deus e do seu perdão.

Com a celebração de hoje, estamos dando abertura a mais uma Quaresma, tempo litúrgico favorável e especial para a nossa espiritualidade, que se estende até à Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa. Fazendo este caminho durante quarenta dias, iremos subir para o “monte santo da Páscoa”, celebração da paixão, morte e ressurreição de Cristo, fonte de nossa esperança. Seremos orientados pela Liturgia da Palavra e as celebrações dos sacramentos, tendo como centro a Eucaristia.

O apelo chave no período quaresmal é a conversão, o nosso retorno ao Senhor e a sua justiça. “Voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas, gemidos; rasgai o coração, e não as vestes, e voltai para o Senhor vosso Deus” (Jl 2,12-13), apela nosso Deus, na profecia de Joel. Todos são chamados à conversão, desde às crianças até os idosos.

O coração na Bíblia indica a profundidade do ser humano, sua interioridade e centro da inteligência, vontade, afetos, discernimento; lugar da abertura para Deus e para os irmãos. Rasgar o coração é deixar que a graça de Deus nos transforme segundo a sua vontade. O que nos atrai a ele é a sua bondade, paciência misericórdia e compaixão.

A conversão é ação do Espírito. “Esta conversão a Deus só se torna realidade concreta em nossa vida, quando a graça do Senhor penetra nosso íntimo e o abala, dando-nos a força para “rasgar o coração” (Bento XVI, homilia da quarta-feira de cinzas, 2013).

A Quaresma é um tempo favorável, uma ocasião particular e única para o nosso caminho de volta a Deus. O apóstolo Paulo nos convida a fixar o nosso olhar “Àquele que não cometeu pecado” (2 Cor 5,21), o Cordeiro de Deus imolado. A reconciliação é graça oferecida por Jesus Cristo, no sacrifício da cruz. A nossa justificação tem sua raiz na imersão de Deus no sofrimento humano e no abismo do mal.

A conversão passa pela cruz: trata-se de curar e corrigir o nosso orgulho, egoísmo e mesquinhez, para dar espaço a Deus em nós.

Mateus 6,1-6.16-18 é um trecho do Sermão da Montanha. Jesus nos orienta acerca da esmola, oração e jejum, práticas previstas na Lei de Moisés e que entraram na espiritualidade cristã. Esmola, oração e jejum devem brotar de uma coração sincero, simples e generoso, no relacionamento com o outro, com Deus e consigo mesmo, numa penitência que brota do interior. Assim superamos a justiça dos fariseus. O Pai vê a autenticidade, liberdade e pureza de nossas ações e nos concede o que precisamos (Mt 6,4.6.18). A nossa recompensa é o próprio Deus, nosso maior bem.

Voltar-se a Deus com todo o coração é voltar-se também aos irmãos, de modo particular aos mais vulneráveis. É o apelo que nos faz a Campanha da Fraternidade, em 2023 com um tema já tratado em outras ocasiões, que é a fome. Não se trata de apenas constatar essa dura e cruel realidade em nosso país, mas deixar que a Palavra de Deus ilumine a nossa existência e nos leve a encontrar caminhos de superação. Jesus nos deixou um ensinamento: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Com a graça do Espírito Santo, com a inteligência humana, com boa vontade, com a conversão dos corações para a justiça, a igualdade, a solidariedade e a paz, é possível “agir para transformar a realidade da fome”.     

O rito da bênção e imposição das cinzas lembra a nossa pequenez e a necessidade que temos de Deus e do seu perdão. Crendo no Evangelho, no mistério da cruz, na figura sofredora do Filho de Deus, contemplamos a bondade mais profunda do Pai. No silêncio e no mistério do calvário, ouviremos a voz de Deus, que é amor.

Dom Paulo Roberto Beloto, Bispo Diocesano.