Reflexão da liturgia dominical
Interrompemos a leitura do Evangelho
de Marcos durante alguns domingos, para ler e meditar o capítulo 6 de João. São
cenas que narram a multiplicação dos pães e o discurso eucarístico de Jesus, na
sinagoga de Cafarnaum. É o quarto sinal neste Evangelho, que tem como objetivo
suscitar a fé. A Eucaristia é o tema central nos domingos que seguem.
O que João quer transmitir à
comunidade quando inseriu no seu Evangelho este sinal?
A multiplicação dos pães aconteceu
próximo da Páscoa. Jesus atravessou o mar da Galileia, também chamado de
Tiberíades, subiu à montanha e sentou-se com os seus discípulos. Uma grande
multidão o seguia por causa dos sinais. Ele se preocupou com a alimentação
daquelas pessoas e distribuiu o pão (Jo 6,1-15).
As indicações nas cenas lembram
passagens do Antigo Testamento, quando o povo estava no Egito e fez a
experiência de libertação, sob a liderança de Moisés. Jesus é aquele que
inaugura o novo êxodo, a nova lei e realiza a nova libertação, oferecendo o pão
da vida. A travessia do mar da Galileia recorda a passagem do Mar Vermelho; a
subida à montanha lembra Moisés no Sinai e o pão distribuído faz recordar o
maná no deserto.
Jesus é o novo Moisés que conduz o
povo à vida e a liberdade, para a verdadeira Páscoa e aliança definitiva. O seu
gesto está relacionado com a Eucaristia. É um sinal indicativo para a
comunidade que deseja celebrar sua fé no Messias.
Nos domingos que seguem teremos uma
catequese sobre a Eucaristia. Iniciando, a cena da multiplicação dos pães nos
indica uma íntima relação entre Eucaristia e vida. A Missa não pode se separar
da vida. João uniu Eucaristia (graça) à multiplicação dos pães (natureza),
vendo o mistério eucarístico a partir deste sinal. Há uma continuidade e uma
harmonia entre a graça e a natureza.
Quando a Igreja explica a Eucaristia
com a palavra transubstanciação, que é a presença real de Cristo em corpo,
sangue, alma e divindade, não nega os sinais do pão e do vinho, antes, da
fecundidade da terra e do trabalho dos seres humanos, após a consagração, do
sacrifício de Jesus.
A Missa nos remete à vida e à missão.
Quando participamos deste sacramento, quando comungamos, recebemos os frutos da
comunhão: aumento da nossa união com Cristo, aumento e renovação da vida da
graça recebida no Batismo; remissão dos pecados; restauração das nossas forças;
fortalecimento da caridade; preservação dos pecados mortais; união à Igreja e
aos irmãos; compromisso com os pobres (CIgC 1391- 1397).
Efésios 4,1-6 trata da vida eclesial.
Paulo exorta os fiéis à unidade. Ela é essencial na vida cristã.
Cristo é o autor da Igreja. Nela
celebramos a fé no Senhor e nos encontramos como irmãos. A nossa vocação é a
unidade, é viver como pessoas novas.
O texto fala dos fundamentos que
caracterizam a unidade da Igreja: um só corpo e um só Espírito. O corpo está
unido à cabeça. O corpo é a Igreja e a cabeça é Cristo. Os cristãos devem estar
ligados a este corpo e se identificar com ele. A unidade vem de Cristo e do
Espírito.
Uma só esperança. É a esperança que os
cristãos celebram e percebem na Igreja.
Um só Senhor, uma só fé e um só
batismo. Os primeiros cristãos aclamavam Jesus como Kýrios, Senhor. É Aquele
que congrega e reconcilia, que salva, santifica e une em si todas as coisas.
Ele dá significado e existência ao mundo e a nossa vida pessoal.
Encontramos em Jesus, o Senhor, o
verdadeiro sentido da vida, a realização, o valor, a reconciliação, a
integração. Nele colocamos nossa esperança. Jesus como Senhor está acima de
todas as coisas, como fundamento da vida e da comunidade. É o centro da
história.
A fé faz a Igreja e o batismo está na
sua origem.
O fundamento último da unidade é Deus
Pai. Ele é sua origem e fonte.
Juntamente com a exortação à unidade
e os seus fundamentos, Paulo apresenta algumas virtudes necessárias para a sua
concretização. Elas ajudam a viver a unidade, base da convivência humana.
A humildade brota do coração. É uma
disposição interior, uma atitude daqueles que deixam de lado a auto suficiência
e a falsa segurança pessoal e buscam a segurança só em Deus. Sem Ele, sem o seu
amparo, sem a sua proteção, nada somos. A humildade é o remédio para curar as
nossas feridas, é uma das vias da penitência. Ela nos leva a Deus e à sua
verdade. É a virtude dos simples, vivida por Jesus, por Maria, José, pelos
santos e pelos pobres.
A mansidão é a falta de arrogância e
insolência. É fruto do Espírito (Gl 5,23). “Reagir com humilde mansidão: isto é
santidade” (Papa Francisco, Exortação Gaudete et Exsultate, nº 74).
A paciência é atitude daqueles que
suportam as provações sem ceder. Sem a paciência não há comunidade. Três campos
onde devemos exercer a paciência: conosco próprios, com as pessoas e com os
acontecimentos. “Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais
excelente... Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado”
(Santo Tomás de Aquino, in Liturgia das Horas, Vol. III, p. 1222-1223). Só
devemos exercer a impaciência quando protelamos demais em certas urgências:
quando esperamos demais para perdoar, para ser generosos, para praticar a
caridade e para viver a santidade.
Por fim, o amor, centro de tudo,
coroa das demais virtudes. Sem amor não há comunidade e pessoas novas e
pertença a Cristo. O amor une as pessoas, reconcilia, leva a vencer as
diferenças. Leva os membros da comunidade a identificar-se uns com os outros. É
a nossa vocação fundamental.
Na comunidade celebramos a unidade,
vivemos as virtudes, celebramos o amor, celebramos a fé, celebramos a
Eucaristia.
Dom Paulo Roberto Beloto, Bispo Diocesano.