Reflexão da Liturgia Dominical
(imagem: The Blind Leading the Blind, óleo sobre tela de Peter Bruegel, o Velho (1568), Museu Nacional de Capodimonte, Nápoles, Itália).
Com este Domingo, encerramos o
primeiro ciclo do Tempo Comum. Recordamos que estamos seguindo Jesus, lendo o
Evangelho de Lucas, no Ano C de nossa liturgia.
Lucas foi um cristão grego
convertido. Não conheceu Jesus pessoalmente, mas através dos apóstolos e
testemunhas do Senhor. Foi discípulo, companheiro e colaborador de Paulo (Fm
24; 2 Tm 4,11). Homem culto, “médico caríssimo”, segundo Paulo (Cl 4,14),
escreveu duas obras: um Evangelho bem ordenado, para os pagãos convertidos, e
os Atos dos Apóstolos. O Evangelho narra a missão de Jesus, que age com a força
do Espírito. Os Atos narram o nascimento da Igreja e sua missão, nas pessoas
dos apóstolos. Toda a sua obra foi dedicada a Teófilo (Lc 1,4; At 1,1): nome
que significa “amigo de Deus”. As comunidades que receberam seus escritos
enfrentavam situações difíceis. O objetivo de Lucas foi apresentar Jesus como a
esperança para esses cristãos em crise: Ele é o Senhor da história, o salvador
que entrou na vida dos cristãos, o ungido do Espírito que veio comunicar a
salvação, a misericórdia do Pai. Jesus seguiu um caminho que se realiza na
história: é o caminho do projeto de Deus que as comunidades devem seguir.
Quase no final do Sermão da Planície
(Lc 6,39-45), Jesus dirigiu aos seus discípulos algumas comparações e
advertências, que ajudam no discernimento e na clareza do caminho a seguir.
Alguns temas: um cego não pode guiar outro cego; o discípulo bem formado será
como o mestre; não se pode tirar um cisco do olho do irmão, se não vemos a
trave que há no nosso; a árvore é conhecida pelos seus frutos; toda fruta é
tirada da planta certa; é do coração que brotam as coisas boas ou más.
No centro das advertências, Jesus se
refere à hipocrisia, a incoerência, dissimulação, falsidade, esperteza e
duplicidade. A hipocrisia é uma atitude de se querer enganar o próprio Deus.
Aquilo que condenamos ou detestamos nos outros, pode encontrar-se em nós
mesmos, até em medida maior.
O juízo é uma prática que não
funciona, um procedimento arriscado, “como disparar uma flecha de olhos
fechados, sem saber onde irá acertar” (Raniero Cantalamessa). Como podemos
sondar e conhecer as profundezas da vida alheia?
Somente Deus tem autoridade para
julgar (Tg 4,12), e ele o faz com misericórdia, pois conhece os segredos do
nosso coração.
No Sermão da Planície, Jesus exortou
aos seus discípulos a prática da misericórdia, a exemplo do Pai celeste. O que
caracteriza os seus seguidores é o amor fraterno. Vivendo assim, serão
recompensados e chamados “filhos do Altíssimo” (Lc 6,35). Não basta escutar as
palavras de Jesus e ser chamado discípulo. É preciso coerência e produção de
bons frutos.
A Palavra é um convite à honestidade,
à transparência, à pureza de coração e sinceridade. Ela mostra o coração humano
(Eclo 27,7) e exige testemunho de vida.
Como é importante o testemunho! O
cristianismo propagou-se e cresceu muito mais pela santidade dos seus membros
do que pela pregação. É a coerência de vida e a santidade que dão consistência
e autoridade ao que falamos. O bom exemplo diz mais do que bonitas palavras.
Jesus nos convida à conversão. Ele
quer nos curar do mal da hipocrisia.
O apóstolo Paulo concluiu sua
catequese sobre a ressurreição com esta exortação: “sede firmes e inabaláveis,
empenhando-vos cada vez mais na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas
não são em vão, no Senhor” (1 Cor 15,58).
Dom Paulo Roberto Beloto, Bispo Diocesano.