Reflexão da Liturgia Dominical
Retomamos em nossa liturgia o Tempo Comum, seguindo Mateus, o primeiro
dos três Evangelhos chamados sinóticos. O texto apresenta Jesus como o Emanuel,
o Deus conosco (Mt 1,23), o Messias que veio realizar as promessas do Antigo
Testamento. Uma chave de leitura do Evangelho de Mateus é a “justiça que faz
nascer o Reino”: o Pai deseja a justiça, Jesus realiza-a, e o Espírito Santo
leva a comunidade a vivê-la. Por ocasião do seu batismo, Jesus diz: “devemos
cumprir toda a justiça” (Mt 3,15); a comunidade deve superar a justiça dos
escribas e fariseus (Mt 5,20) e buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a
sua justiça (Mt 6,33). A justiça revelada por Jesus é a misericórdia. Somos
justificados pela graça, pela redenção em Jesus Cristo (Rm 3,21-24).
No 10º Domingo Comum lemos Mateus 9,9-13, que relata a vocação de
Mateus, também chamado Levi, filho de Alfeu (Mc 2,14; Lc 5,27), um cobrador de
impostos, que prestava serviço aos romanos. Os cobradores de impostos eram
considerados pecadores e desprezados pelos fariseus. Ao chamar Mateus e tomar
refeição com pecadores, Jesus surpreendeu e provocou escândalo e a indignação
dos fariseus, pois a condição social e religiosa dessa gente era irregular e
impedia um voto de confiança: “Por que vosso mestre come com os cobradores de
impostos e pecadores?” (Mt 9,11). O próprio Jesus respondeu, citando o exemplo
dos doentes que necessitam de médico para cuidar da saúde. Também fez
referência a uma passagem do profeta Oséias (Os 6,6): “Quero misericórdia e não
sacrifício” (Mt 9,13).
Oséias utiliza a palavra “hesed”, que indica solidariedade, amizade,
comprometimento, bondade, favor, benevolência, piedade. Quem vive o “hesed”,
conhece a Deus, experimenta o seu amor. Deus quer o hesed, não os sacrifícios.
As Sagradas Escrituras não negam os sacrifícios, desde que estes sejam
acompanhados da misericórdia. O culto que agrada a Deus é aquele que brota do
coração e se estende na caridade aos outros: “Não quiseste vítima nem oferenda,
mas formaste um corpo para mim. Não foram do teu agrado holocaustos nem
sacrifícios pelo pecado. Então eu disse: eis que venho, ó Deus, para fazer a
tua vontade, como no livro está escrito a meu respeito” (Hb, 10,5-7).
Paulo cita a fé de Abraão como caminho de verdadeira justificação (Rm
4,18-25). Abraão não vacilou na fé, acreditou nas promessas de Deus, e se
tornou nosso modelo. No capítulo 12, da mesma carta, o apóstolo exorta os
irmãos da comunidade a oferecerem seus corpos “em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus”, como culto verdadeiro (Rm 12,1). De fato, desde a Antiga
Aliança, aprendemos que Deus se agrada com um “coração contrito e humilhado”, e
não com sacrifícios rituais e holocaustos (Sl 51 (50), 18-19). Um coração
arrependido prepara para o amor e a misericórdia. Só é capaz de dizer sim às
necessidades do próximo, quem diz não a si mesmo.
O grande ensinamento de Jesus ao chamar Mateus, um pecador público, e a
cada um de nós para fazer parte de sua família, é que ele nos ama na nossa
condição de pecadores. Somos chamados não por mérito humano, mas porque Deus
nos ama e confia em nossa conversão. Ele nos ama primeiro e toma a iniciativa
de nos acolher e perdoar, antes mesmo que pudéssemos ter feito alguma coisa por
ele. O nosso mérito é a misericórdia de Deus. A nossa confiança é a
redenção de Jesus. Da nossa parte, basta acreditar e confiar, como fez Mateus,
deixando seu emprego, e seguindo a Jesus, que veio chamar os pecadores e não os
justos. Estes precisam mais do remédio da misericórdia.
Dom Paulo Roberto
Beloto, Bispo Diocesano.