Reflexão da Liturgia Dominical
Mateus 18 relata
um discurso de Jesus sobre a vida comunitária. São vários temas abordados, como
a humildade, o escândalo causado aos pequenos, a correção fraterna e a oração
comunitária. A passagem deste domingo trata do perdão (Mt 18, 21-35). Diante da
pergunta de Pedro sobre quantas vezes se deve perdoar um irmão, Jesus
respondeu: “setenta vezes sete”, isto é, sempre. A parábola do “credor
impiedoso” revela a dívida que temos para com Deus e sua infinita misericórdia,
pois Ele perdoa sempre. Por maiores que sejam as dívidas e o pecado, para o
Senhor, o perdão não tem limites, é total e contínuo.
O autor de Eclesiástico antecipa os ensinamentos
de Jesus: “O rancor e a raiva são coisas detestáveis... Perdoa a injustiça cometida
por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo
27,33; 28,2).
O Senhor perdoa todas as nossas iniquidades e
cura todas as nossas doenças... “Não age conosco segundo nossos pecados,
e não nos retribui segundo nossas iniquidades... Como o oriente se distancia do
ocidente, tanto ele afasta de nós nossos pecados” (Sl 103 (102), 3.10.12).
Perdoar é um ato de amor que imita a maneira de
Deus agir. Temos uma dívida incalculável com Ele, que só a sua compaixão pode
saldar.
Jesus é a encarnação da misericórdia de Deus, é
o Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo e que nos salva (1 Cor 5,7; Ap
5,6). Ele expiou os nossos pecados, morreu por nós (Rm 4,25; 5,6.8). Somos
salvos pelo oferecimento e sacrifício de Cristo na cruz: “Foi ele que nos
livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino do seu Filho amado,
no qual temos a redenção, o perdão dos pecados” (Cl 1,13-14).
Perdoar exige vontade, obediência, decisão e
humildade. Ser humilde é vencer o fechamento e a mesquinhez diante do outro que
errou. Mesmo porque, conforme a estória contada por Jesus, a dívida de nossos
irmãos para conosco é irrisória, comparada com a nossa para com Deus. Como não
podemos pagá-la, a solução é agir também com misericórdia com as pessoas.
O ato de perdoar destrói o ódio e a vingança,
transforma as situações, derruba os muros de inimizades, reconstrói os
relacionamentos, traz a harmonia de volta, salva a vida comunitária. O perdão é
como se fosse um agente purificador do nosso coração e dos afetos,
desobstruindo a alma e nos libertando para dar e receber amor.
Mas muito mais do que o esforço humano, perdoar
é um ato de fé, exige graça de Deus, exige oração de nossa parte. Por isso é
que Jesus nos ensinou também a rezar no Pai nosso essa experiência, pedindo que
Deus perdoe “as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido”.
Jesus perdoa e nos ensina também a perdoar e a
celebrar a nossa reconciliação. Ele deixou o sacramento da Penitência e da
Reconciliação, definido pela Igreja, como sacramento de cura, conferindo o
perdão dos pecados, nos reconciliando com Deus, com a Igreja, com os irmãos e
devolvendo a nossa dignidade perdida.
Experimentamos a misericórdia e o perdão porque
pertencemos ao Senhor. Ele “morreu e ressuscitou exatamente para isto, para ser
o Senhor dos mortos e dos vivos” (Rm 14,9). Viver para o Senhor, é viver em
vista dele, é viver da sua vida. Ele é o centro, dele recebemos a luz e o
Espírito de vida. Só podemos funcionar no Senhor, centralizados nele. “És tu o
meu Senhor, fora de ti não tenho bem algum” (Sl 16 (15), 2).
Dom Paulo Roberto Beloto, Bispo Diocesano.