30º Domingo do Tempo Comum - Ano C
Reflexão da Liturgia Dominical.
Lucas 18,9-14 narra uma parábola de
Jesus, contada “para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam
os outros”. É a estória do fariseu e do cobrador de impostos que subiram ao
Templo para rezar.
O fariseu era o representante da
mentalidade judaica que concebia a relação com Deus através do “dogma da
retribuição”: Ele é justo e retribui com a sua graça àqueles que são justos. A
sua justiça é resultado da retribuição das obras, conforme os méritos. O
fariseu era fiel à Lei, por isso, sentia-se seguro em sua salvação, esperava de
Deus apenas a graça merecida. Com esta mentalidade, fazia da religião um
negócio, acreditava assegurar a vida com as suas obras. Considerava-se
justificado e exigia do Senhor a recompensa. Daí a exaltação de si mesmo, e até
certo orgulho, pois era fiel cumpridor da Lei. Mas ao pensar ter mérito e
justificar-se diante de Deus, o fariseu afastava-se dele e dos outros. O
coletor de impostos teve uma postura diferente. Assumiu a sua condição de pecador,
tinha consciência de sua culpa e de sua fraqueza. Voltou-se para Deus e se
abriu a sua graça, pedindo a manifestação da sua misericórdia. Jesus disse que
o publicano voltou para a casa justificado, com a graça de Deus. O outro não.
A estória do fariseu e do publicano
retrata o coração da mensagem cristã, revelada por Jesus Cristo: a passagem da
vida de pecado para a vida nova da graça é ação gratuita de Deus. Ele nos salva
e nos justifica em Jesus Cristo. A religião é um mistério de fé e de graça. Ele
nos ama gratuitamente e nos torna justos com a sua misericórdia e nos salva com
o seu amor. A justiça do Pai é a misericórdia e o perdão. É um ato gratuito que
brota do seu coração bondoso, sem depender das obras humanas. Portanto, ninguém
se salva por si mesmo, mas pela graça de Deus.
O apóstolo Paulo entendeu profundamente
esta pedagogia divina. Ele fez uma experiência pessoal que transformou a sua
vida e a sua compreensão da religião: nós somos “justificados gratuitamente
pela graça de Deus, por meio da redenção em Cristo Jesus” (Rm 3,24). O seu amor
não depende da fidelidade à Lei e das nossas obras, mesmo sendo elas muito
importantes. Ele nos ama primeiro e toma a iniciativa de nos perdoar antes
mesmo de que pudéssemos fazer sequer algumas obras boas. Somente a fé em Jesus
é capaz de realizar o que a Lei não consegue.
Numa espécie de “testamento espiritual”
(2 Tm 4,6-8.16-18), Paulo, além dos conselhos, partilha com o jovem Timóteo a
sua experiência no fim da vida. Ele não se gloria daquilo que fez: é o Senhor
quem lhe dará a “coroa da justiça”, quem esteve ao seu lado e lhe deu forças na
evangelização, quem o “libertará de todo o mal” e o “salvará para o seu Reino
celeste”.
Deus é pura misericórdia e não se deixa
mover pelas obras da Lei. Nenhuma criatura tem poder sobre Ele, nem por meio de
méritos. Ele nos liberta dos pecados, mediante a fé em Jesus Cristo, e nos
torna justos pelo dom do Espírito Santo (Rm 1,17; Gl 2,16).
Não podemos pensar que somos autores da
salvação, pois Deus é o seu autor, contando com a nossa participação. As obras
vêm pela força do Espírito, que habita em nós (Rm 8,9.11). É o dom de Deus que
nos permite produzir obras espirituais.
“Onde está o Espírito do Senhor, aí está
a liberdade” (2 Cor 3,17). A justiça gratuita de Deus nos liberta de todas as
formas de escravidão, e nos torna livres, e é para esta “liberdade que Cristo
nos libertou” (Gl 5,13). Pelo Espírito Santo e pelo efeito da redenção de
Cristo somos chamados à liberdade, fruto da caridade, que nos torna “servos uns
dos outros, pelo amor” (Gl 5,13). A graça de Deus está intimamente ligada à
cruz, caminho da verdadeira liberdade, como renúncia a toda força humana, para
contar somente com a sua força (1Cor 2,1-5). O Evangelho é o poder de Deus, que
segue o caminho da cruz.
Diante deste mistério, qual deve ser a
atitude humana? Abrir-se, na humildade, à salvação. Acreditar na graça de Deus
e acolher o seu oferecimento. Acolher na fé, o dom oferecido por Jesus. Aderir
ao Reino e entrar na Nova Aliança. Sentindo-nos amados e salvos por Jesus
Cristo, acolhendo o dom da sua misericórdia, colaboramos com o Senhor, vivendo
o seu amor e assumindo as exigências do Reino.
Dom
Paulo Roberto Beloto, Bispo Diocesano.