1º Domingo da Quaresma 2023
Reflexão da Liturgia Dominical.
A Quaresma é um caminho rumo à Páscoa. Nesse itinerário somos chamados à
conversão e a progredir na santidade. Iniciamos a nossa peregrinação na
quarta-feira de cinzas, reconhecendo a nossa condição de pecadores e
necessitados da graça e do perdão do Senhor. As semanas que seguem nos educam a
caminhar com Ele.
O primeiro domingo da Quaresma trata das tentações de Jesus, presentes
nos três evangelhos sinóticos (Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13). Logo após o
batismo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo
diabo. Ali jejuou durante quarenta dias e quarenta noites.
40 dias e 40 noites é um número simbólico, lembra os 40 anos durante os
quais o povo de Israel peregrinou no deserto, num período de formação e
tentação de infidelidade à Aliança com Deus. Também o profeta Elias caminhou
por quarenta dias para chegar ao monte Horeb. Na Quaresma caminhamos durante
quarenta dias em preparação a celebração da Santa Páscoa, iluminados pela
Palavra de Deus.
O deserto é lugar árido, de carências de água, vegetação, alimentos,
lugar de silêncio e solidão. Ali experimentamos a tentação de crises, de
discernimento para a escolha daquilo que é essencial. É lugar de encontro
consigo e com Deus.
Com fome, Jesus é tentado pelo diabo a transformar pedras em pães. Ele
respondeu ao tentador, citando Dt 8,3: “Não só de pão vive o homem, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Jesus recusa primeiro um messianismo
imediatista, realizado por sinais que dispensam a fé e com conteúdo apenas
materialista das necessidades humanas. As coisas materiais são necessárias, mas
o bem maior é Deus e a sua Palavra. Devemos buscar a sua vontade acima de tudo,
a viver a solidariedade, a partilha e a gratuidade.
Na segunda tentação, o diabo levou Jesus à Jerusalém, e o tenta a se
lançar do pináculo do templo para que Deus o salve, mediante seus anjos, como
ensina o Salmo 90, quando trata da proteção e do cuidado do Senhor com os
filhos fiéis. Novamente com um trecho de Dt 6,16, Jesus lembrou: “Não tentarás
o Senhor teu Deus” (Mt 4,7). O seu messianismo não desafia as promessas de Deus
ou a sua vontade. O caminho verdadeiro não é de prestígio, privilégio e
triunfalismo, mas de serviço.
Por fim, o diabo propõe a Jesus o caminho do poder, oferecendo-lhe todos
os reinos em troca de adoração. Jesus respondeu com Dt 6,13: “Adorarás ao
Senhor teu Deus e somente a ele prestarás culto” (Mt 4,10). Não se pode aceitar
um messianismo nacionalista e idólatra, que recusa a Deus como único Senhor.
Devemos adorar e servir somente ao Pai celeste.
O núcleo central das tentações é colocar-se no lugar de Deus e
submetê-lo ao ser humano para os próprios interesses. Jesus nos ensina a
colocar o Pai no centro e a cumprir a sua vontade. Devemos reservar a ele o
primeiro lugar.
Gênesis 2,7-9; 3,1-7 narra o cuidado de Deus com o homem e a mulher,
oferecendo-lhes a vida e as condições necessárias para a sua sobrevivência. Na
liberdade, eles são chamados a dar uma resposta ao Criador de fidelidade e
obediência. Mas ambos não reconheceram esta graça e se deixaram levar pela
serpente, força do mal. No seu diálogo com a mulher, ela mente, exagerando: “É
verdade que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim’?
(Gn 3,1). Também a mulher apresentou as coisas de modo equivocado, como se Deus
tivesse proibido até de tocar na árvore. Na verdade, Deus deu uma ordem ao
homem e à mulher: eles poderiam comer de todas as árvores do jardim, menos da
árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2,16-17). Portanto, de premissas
falsas, surgem conclusões falsas. A falta de objetividade desencadeia a
tentação.
A serpente despertou o desejo e a curiosidade da mulher de comer o
fruto. Depois, desapareceu. A mulher comeu o fruto e deu ao seu marido, que
também o comeu (Gn 3,6). Homem e mulher são solidários no pecado. A imagem da
nudez lembra a inocência das crianças que não têm vergonha. Um adulto tem
vergonha de agir assim.
As tentações de Jesus lembram as tentações do povo de Deus no deserto e
também as nossas. Ao contrário de Israel, ele venceu o diabo com a força da
palavra, sendo obediente à vontade de Deus e nos ensina a fazer o mesmo. Nos
desertos e crises da vida, o Espírito é a nossa força e a nossa resistência
contra o mal.
Em Romanos 5,12-19, Paulo diz que o pecado gera a morte, tira a liberdade,
afasta-nos de Deus e do seu plano de amor. Como sair da escravidão do pecado? O
dom gratuito concedido através de Jesus Cristo, seu ato de justiça, sua
obediência, sua morte e ressurreição nos justificam e dão sentido à nossa vida.
A palavra chave no período quaresmal é conversão, que é um retorno a
Deus: dependemos dele e do seu amor.
Ser cristão é um desafio, requer perseverança no caminho do Evangelho,
firmeza na fé. Somos tentados a seguir as práticas pagãs, a seguir as
ideologias do nosso tempo, a colocar a fé de lado ou em segundo plano. Mas não
podemos viver sem Deus, sem a sua graça e o seu amor.
Em Jesus encontramos o caminho, a verdade e a vida. Nele temos a
possibilidade de vencer o pecado. A sua graça é maior do que as nossas
misérias. Nenhuma tentação poderá nos separar do amor de Deus. Nesta Quaresma,
deixemos o Senhor nos visitar e a transformar o deserto de nosso coração em
ações que façam brotar a vida. “Converter-se significa não se fechar na busca
dos próprios sucesso, prestígio e posição, mas fazer com que cada dia, nas
pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor se tornem o mais importante”
(Bento XVI, Catequese). É com esta confiança que devemos celebrar a
Quaresma.
Dom Paulo Roberto Beloto, Bispo
Diocesano.